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O dia em que tirei uma brasileira de uma estação de trem para dormir num hotel na Europa

No ano de 1989 eu estava com a minha equipe esportiva na Rádio Cultura da Bahia (AM 1140). Naquela época, a televisão não costumava transmitir todos jogos da Seleção Brasileira no exterior, principalmente na parte da tarde, a fim de não atrapalhar a sua programação comercial e também a exibição de novelas e filmes.

Mas o rádio estava sempre presente. Eram as chamadas “excursões do rádio”. Fiz uma parceria (sempre eles) com Dilson Barbosa da Rádio Sociedade de Feira de Santana, Antônio Júlio Baltazar e Toni Market, da Rádio Difusora de Osasco, interior de São Paulo.

Lembro que um dos jogos naquela excursão foi no Torneio da Dinamarca contra a Suécia e a Seleção Brasileira foi derrotada pelo placar de dois a um. A narração dos jogos eram feitas por mim e pelo Itajaí Pedra Branca (Rádio Sociedade de Feira), comentados por Dílson Barbosa e Antônio Júlio Baltazar e reportados por Toni Market.

Chegávamos cedo nos estádios, arrumávamos nosso material, e existia sempre alguém da telefônica do país, onde os jogos eram realizados para nos dar suporte.

Na oportunidade, não tinha o domínio da língua inglesa como tenho hoje, mas conseguia resolver os problemas. E as transmissões saiam perfeitas. Corria de um lado para o outro, e quando a situação ficava mais complicada pedíamos o apoio aos colegas que falavam melhor o Inglês.

Depois deste jogo na Dinamarca, aliás realizado em um estádio muito distante de Copenhague, tivemos de pegar bonde, trem até chegar ao local onde estávamos hospedados.

Homem é homem em tudo quanto é lugar. Torcedor é torcedor em tudo quanto é lugar. Depois dessa derrota do Brasil, que mesmo sendo um jogo amistoso que nos deixou tristes, saímos do estádio recebendo gozações de todo jeito.

Alguns torcedores amigos de Baltazar também estavam no nosso grupo nessa viagem. Eles aproveitaram a excursão para além de ver os jogos conhecer alguns países da Europa.

No total eramos 12. Como eu e um paulista eramos os únicos que tinham noção do Inglês, ficamos divididos em dois grupos e partimos para a estação de trem para voltar a Copenhague.

Nisso, chega Cláudia, uma brasileira, muito bonita por sinal, e fala pra mim:

– Vocês deixam eu ficar junto de vocês? Tem um dinamarquês enchendo meu saco. Não suporto mais.

– Sem problemas. Fique aqui com a gente. Respondi.

Entramos no trem, e nossa…que viagem longa. Durou mais ou menos uma hora do local do jogo até a estação central de Copenhague, para onde iriamos e de lá pegamos táxis para o hotel.

Durante este trajeto de trem, que pode ser chamado até de uma viagem, a Cláudia me falou que morava em São Paulo e no dia seguinte iria para o interior da Dinamarca encontrar com o namorado dela.

Quando chegamos na estação central, eu perguntei para ela:

– Que horas é o seu trem?

– Está marcado para às 6 horas da manhã.

Isso era mais ou menos por volta das 10 horas da noite. Eu perguntei para ela:

– E você vai dormir onde?

– Aqui num banco da estação. Respondeu a Cláudia.

Eu fiquei pensando, como seria para uma brasileira, jovem e bonita, dormir numa estação de trem na Europa. Na realidade, o problema nem era a segurança, mas a falta de conforto. Então decidi convidá-la para ir dormir em nosso hotel.

Ela topou e nos acompanhou. Chegamos no hotel. Não tinha mais nenhum apartamento disponível.

– Cláudia, você dorme lá no meu apartamento. Pode ficar tranquila que você será respeitada como mulher.

– Tudo bem. Pode ser. Ela respondeu.

Subimos, todos foram para os seus apartamentos e a Cláudia topou dormir no local onde eu estava. Cheguei, deixei ela bem à vontade e fui gravar boletins para a resenha do dia seguinte, o Bom Dia Bola, da Rádio Cultura.

Quando ela me viu gravando, me falou:

– Olha aqui Mário, eu imaginei que você era uma pessoa de bem, mas fiquei mais tranquila agora depois que você começou a falar para o seu programa esportivo. Fiquei bem mais confiante.

Disse a ela que ficasse tranquila, se quisesse comer alguma coisa poderia pedir. Realmente, deixei ela bem à vontade. Ela disse que gostaria de tomar um banho. Falei, “pode ir. Pegue uma dessas toalhas e pode ir”.

Depois, eu fui tomar banho e voltei. Era uma cama de casal bem grande, aliás isto é muito comum nos hotéis da Europa. E ela disse que iria dormir no chão.

– Não Cláudia, fique tranquila. Você pode dormir aqui, mas se você se sentir incomodada por isso, eu vou para o chão.

E depois de conversarmos bastante, sobre esporte, política, cultura, música, enfim vários assuntos, decidimos ir dormir, afinal já era quase uma hora da madrugada e ela tinha de pegar um trem cedo para o interior.

De repente, ela disse que iria dormir no chão. Estranhei porque a estava respeitando, e ela disse:

– O problema é que este colchão está me incomodando. É só por isso, mesmo.

Problema resolvido. Ela foi dormir no chão, antes pediu ao recepcionista para acordá-la às 5 horas. No horário certo, o telefone tocou e eu decidi descer até ela pegar um táxi.

Antes, eu perguntei se ela queria 50 dólares (dados ou emprestados) porque dois dias depois eu já estava voltando ao Brasil e ela ficaria por mais 20 dias na Europa. Ela disse que não. Perguntei se ela queria alguma roupa para se proteger do frio. Ela também disse não.

Ela chamou o táxi, pedi que ela perguntasse ao motorista quanto custaria a corrida até a estação e ele respondeu que era mais ou menos 35, na moeda local. Pequei 50, dei para ela que insistiu em me dar o troco. Eu não aceitei. Nos despedimos e voltei para dormir.

No dia seguinte, no café da manhã, lembro que estavam quase todos os colegas do grupo e de repente o Itajaí Pedra Branca falou:

– E ai, oh Mário Freitas, se deu bem com a brasileira?

– Itajaí, me dei bem, sim. Evitei que uma jovem, como aquela, dormisse num banco de uma estação de trem na Europa. Não aconteceu nada. E se acontecesse você também não iria saber.

De repente, um dos amigos de Antônio Júlio Baltazar, um senhor mais idoso, veio em minha direção e falou:

– Parabéns! Você agiu com um homem sério e de bem deve agir.

Agradeci e fui tomar o café. No dia seguinte voltamos para o Brasil, depois de cumprir mais uma jornada internacional sempre com a sensação de ter cumprido a nossa missão profissional.

O dia em que evitei que uma brasileira dormisse sozinha numa estação de trem na Europa foi mais uma das histórias que aconteceram comigo neste fantástico mundo das viagens.

Marão Freitas

 

Foto: Reprodução

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