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O dia em que os jornalistas pararam a redação do Jornal da Bahia

Alguns jornais aqui de Salvador, especialmente o Jornal da Bahia, onde exerci as funções de repórter e depois editor de esportes, tinham o hábito de trazer jornalistas do Sul para fazer reformulações gráficas e editoriais.

Numa dessas oportunidades, veio do Rio de Janeiro o jornalista Roberto Quintaes. E eles chegavam com poder de decisão dada pelos donos dos jornais. Neste caso, pelo Dr. João Falcão, que era o proprietário do Jornal da Bahia.

Lembro de algumas determinações, que ele era um cara educado, porém rígido em suas decisões. E lembro de algumas orientações para redigir textos, que eram verdadeiras ordens:

– Quem escrever que alguém faleceu, vai morrer para o jornal, vai perder o emprego. Quem escrever a esposa ou esposo será demitido imediatamente.

Essas e outras, como era voltar e não retornar, afirmar e não asseverar. E além disso o Quintaes que estava com mãos de ferro começou a demitir algumas pessoas da redação.

Lembro que tínhamos reuniões diárias e ele pegava pesado. E os comentários na redação e pelos corredores do jornal eram mais ou menos desta forma:

– Caramba, vocês viram, já saíram dois da redação. Quem será o próximo?

E na realidade foi instalado um clima, não diria de terror, porém de insegurança entre todos os que faziam o jornal. Os bate papos do medo de perder emprego eram constantes não só no jornal, mas nos nossos encontros, após o trabalho diário.

Um dia cheguei para trabalhar e quando vou subindo para a redação, o Quintaes me chamou:

– Olha aqui, Mário, estou gostando do seu trabalho. E levo muita fé em você, nesta nova etapa que estamos implantando no jornal.

– Ah, Quintaes, que bom, obrigado. Vou procurar caprichar para melhorar mais ainda.

Fiquei tranquilo e falei com os meus colegas de editoria. Recordo do Antônio Luís (o Dente de Leite), o saudoso Zé Carlos Mesquita, Edson Almeida e outros.

– Olha aqui galera, o “homem” elogiou o trabalho da nossa editoria, hein.

A turma toda ouviu o recado e na realidade a gente procurava fazer o melhor, não só pelos elogios dele, mas porque a nossa equipe era capacitada mesmo.

Mas o tempo foi passando e alguns problemas com alguns outros colegas da redação foram sendo criados, pelo jeito duro de Quintaes administrar.

E um desses problemas foi justamente com Geraldo Lemos, uma figura muito querida por todos e que tinha sido promovido de editor da esportes, a que eu ocupava, na oportunidade, para a editoria geral.

E 0 “homem” deu ordem que era para demitir o Geraldo. Quando a redação tomou conhecimento desta atitude (os motivos não foram explicados) todos os colegas não se conformaram.

E a redação parou, não admitindo a demissão do colega. O dono e diretor geral do Jornal da Bahia, o Dr. João Falcão, estava viajando. E nessas oportunidades, quem tomava as decisões eram o Bráulio Ribeiro, Enádio Moraes e Isaias Mascarenhas.

Quando tomaram conhecimento do movimento de parar a redação, desceram (eles trabalhavam nos andares de cima) e fizeram um apelo:

– Por favor, vamos voltar a trabalhar. O jornal não pode ficar sem sair. Quando o Dr. João voltar a gente resolve a situação.

– Não aceitamos. Ou o Quintaes é demitido também ou o jornal não sai amanhã. Falou um dos líderes do movimento

E de repente, Gilson Nascimento, experiente jornalista que exercia também um cargo de editoria e era um dos mais veteranos na casa nos reuniu, pediu para expor o seu ponto de vista:

– Pessoal, nós estamos lutando para que o nosso colega não seja demitido. Como é que nós vamos exigir a saída de Quintaes? Estamos lutando contra uma violência e queremos praticar outra atitude violenta? Vamos tentar manter o cargo de Geraldo e não querer a demissão de quem o demitiu.

O pessoal analisou a posição de Gilson e foi formada uma comissão para conversar com os três diretores. A maioria da redação concordou com a ideia.

E depois de muitas negociações, ficou estabelecido que naquele dia Geraldo Lemos e Roberto Quintaes não trabalhariam, e a decisão final seria tomada com a volta do Dr. João.

E assim foi feito. Todos voltaram aos seus postos, os dois foram afastados, temporariamente, e a edição do jornal saiu normalmente  no dia seguinte.

Com a chegada do Dr. João Falcão se chegou a um acordo e Geraldo Lemos e Roberto Quintaes acabaram sendo demitidos. Não deixou de ser uma vitória da redação, mas o ideal seria que ninguém perdesse o emprego.

Os dois personagens principais desta história, na redação do Jornal da Bahia, o Geraldo e o Quintaes já nos deixaram e estão morando no andar de cima.

Marão Freitas

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