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O início da minha carreira como narrador esportivo

Antigamente, na minha juventude, existiam os chamados cadernos de confidência. Hoje essa prática está fora de moda. Ali, você escrevia sobre o seu grande sonho, um cantor preferido, uma comida que gostava, enfim falava de coisas de sua vida pessoal. Lembro que nesta época (final da década de 60) morava, na rua Alberto Torres, no Matatu.

E na secção qual o seu sonho de consumo? eu respondi que era transmitir uma final de Copa do Mundo, pela Rádio BBC de Londres. Eu já estava dando os meus primeiros passos na crônica esportiva, através da Rádio Cruzeiro AM 590, e era um sonho quase impossível de ser realizado. Mas, a vida me levou a transmitir finais de Copa do Mundo.

Não pela Rádio BBC. Aliás porque também nunca pensei em sair do Brasil para morar em outro país, e não falava Inglês para ter condições de trabalhar numa emissora como esta que sempre foi uma das mais importantes do mundo.

Mas realizei o meu sonho. Transmiti para a Rede Baiana de Rádio (cadeia de emissoras de rádio) e para a Rádio Excelsior da Bahia-AM 840. Fora outras decisões importantes ao longo da minha carreira.

Mas como é que esta história começou? Desde menino, sempre sonhei em ser narrador de futebol e ser um cronista esportivo. Trabalhava no Jornal da Bahia e na Rádio Cruzeiro, onde apresentava com o meu mestre Zé Ataíde, uma resenha, às 18 horas.

Costumava chegar na emissora, cuja sede era na ladeira da Praça, por volta das 15 horas. Num determinado dia, estava redigindo o programa e chegou por lá um rapaz. Lembro que ele morava no bairro da Saúde.

– Quero falar com o seu Ataíde . Ele está me esperando.

Pedi um minuto, chamei o Zé e dois ficaram conversando. Depois o chefe me falou:

– Esse rapaz diz que sabe narrar futebol. Estou levando um gravador para a Fonte Nova, e amanhã  ele vai fazer um teste.

Lembro que no dia seguinte tinha uma rodada dupla na Fonte Nova. Na preliminar jogavam Ypiranga e Galícia. Cheguei cedo, fui na cabine da rádio. Existia uma outra ao lado que estava livre. E foi neste local que o meu grande amigo, Milton Santarém, instalou o equipamento para o rapaz fazer o teste. Como era muito cedo ainda, pedi ao Milton para ligar o gravador.

Pronto! Ele me fez esse favor e eu comecei a narrar o jogo. Não me importava muito os nomes dos jogadores. Era um gravador de rolo (hoje é uma peça rara e em extinção) o que eu procurava era dar ritmo aos lances.

Nisso, eu olho pelo espelho (olha o espelho* me ajudando novamente) e vejo Zé Ataíde chamando Fernando Mota. Este era o filho do saudoso Deraldo Mota, diretor da Rádio Cruzeiro. E um fez sinal de positivo para o outro. Era o que faltava para eu me empolgar.

De repente, Ataíde entrou na cabine e falou:

– Vá em frente. Tô gostando.

A expectativa agora era pelo dia seguinte. Quando cheguei para redigir e apresentar a resenha, Ataíde me chamou:

– Olha aqui, os homens me mandaram escalar você para transmitir um jogo amanhã.

Tremi na base. E respondi:

– Oh Zé, quero treinar mais um pouco. Deixe eu fazer mais uma gravação.

E o chefe concordou. Na rodada seguinte, o Milton Santarém armou o gravador e eu estava lá gravando de novo. Aliás, o rapaz do bairro da Saúde, que foi na semana anterior, não foi aprovado no teste.

Fiz a segunda gravação e no dia seguinte, de novo, o Ataíde me disse:

– Pronto! Agora você pode narrar ao vivo.

– Quero fazer mais um treino. Respondi.

– Olha aqui, garoto, você vai gravar pela última vez. Caso não queira narrar ao vivo, vai perder a sua oportunidade.

E depois do último treino, chegou a hora da verdade. Eu nem tinha mais cara de pedir ao Ataíde para fazer um novo treino. Era pegar ou largar. E fui escalado para o jogo Vitória e São Cristóvão, numa noite de quarta-feira, na Fonte Nova.

Experiente, o Zé Ataíde me anunciou:

– E agora, para os primeiros quarenta e cinco minutos de Vitória e São Cristóvão, um novo narrador que está surgindo no futebol baiano. Com vocês, Mário Freitas.

Nossa! Tremia mais do que “vara verde”. Mas consegui fazer o jogo todo. A expectativa era pelo dia seguinte. Como eu tinha me saído, o que o Ataíde iria me falar?

– Foi bem! Estava nervoso, mas isso é normal. Eu anunciei você para os primeiros quarenta e cinco minutos, porque se você não tivesse condições eu faria o restante, disse o Zé.

– Oh Zé, que bom. Fico feliz pela oportunidade.

E depois veio a surpresa. E que surpresa agradável!

Isso era um dia de quinta-feira.

– Vá se preparando porque domingo você estará em Ilhéus, para fazer o jogo Bahia e Vitória de Ilhéus.

Eu parecia não acreditar no que ouvia. E foi na cidade de Ilhéus, no estádio Mário Pessoa, (por sinal um jogo tumultuado) que fiz a minha primeira transmissão fora de Salvador, quatro dias depois de ter narrado o primeiro jogo na minha longa carreira esportiva.

Esta foi mais uma das histórias que aconteceram comigo no fantástico mundo da bola.

 

Marão Freitas.

* Zé Ataíde e Fernando Mota me ouviram lendo o que eu tinha escrito para a resenha das 18 horas e me aprovaram para ler o programa ao vivo.

 

 

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