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Calor e atraso num voo para Presidente Prudente. E o dia em que tomei uma lição de moral

No inicio da década de 2000, o Vitória foi fazer um jogo pelo Campeonato Brasileiro da Série A, contra o Corinthians. Estava na Rádio Excelsior (AM 840) e viajei com o comentarista Fernando Cabús e o, então, repórter Luís Brito.

O time paulista mandava alguns dos seus jogos em cidades do interior. E este foi programado para a progressista cidade de Presidente Prudente, que tem um excelente estádio de futebol. Aliás, o Palmeiras também levou vários dos seus jogos para lá.

Prudente fica a cerca de 558 quilômetros da capital  São Paulo, e o estádio José Faráh, chamado também de Prudentão, tem capacidade para 49 mil torcedores.

Como a distância é grande, a viagem da capital paulista até Presidente Prudente, foi feita em avião modelo Embraer  ERJ-145, de pequeno porte. Aliás, um modelo ainda  muito utilizado por algumas companhias aéreas na Europa. Aqui no Brasil este tipo de avião está fora da malha aérea.

O primeiro trecho da viagem foi num Boeing de Salvador para São Paulo. Voo normal, tudo tranquilo e estava estabelecida uma escala e troca de aeronave em São Paulo, no aeroporto de Congonhas.

O tempo estava nublado e houve um atraso na decolagem do voo.

– Estou sentindo que o nosso voo vai atrasar. O tempo está muito fechado. Comentei com os meus colegas e amigos Cabús e Brito.

E depois de quase uma hora, entramos no avião. E aí veio um problema maior. Como a viagem tinha a duração de 40 minutos, e chovia muito no nosso destino, a viagem teve de ser mais uma vez adiada.

E ficamos dentro do avião, porque não havia permissão para que desembarcássemos, por quase uma hora. Quase todos os ocupantes do avião reclamavam do insuportável calor.

E de nada adiantavam as muitas reclamações feitas para os comissários de bordo.

– Sentimos muito, mas não temos autorização para deixar que os passageiros desembarquem. Mesmo porque a qualquer momento iniciaremos a nossa viagem. Era o que falavam os tripulantes.

E depois de muito tempo de espera, houve autorização da torre para a nossa decolagem. Lembro que estava sentado na frente do avião, numa poltrona ao lado do saudoso Valdir Espinosa, que era o técnico do Vitória.

E apesar de curto, cerca de 45 minutos, o avião balançou muito. Pegamos muita turbulência neste trecho. Lembro que o Espinosa reclamava muito.

– Rapaz, como é possível a gente fazer uma viagem num avião desse tipo? Isso não existe!

– Espinosa, quando o tempo está ruim não tem avião que não balance. Mas vai dar tudo certo. Logo, logo, a gente estará pousando em  Presidente Prudente.

Como tenho muita experiência em viagens aéreas, tentava acalmar o gaúcho, embora ele também tivesse uma larga experiência em viagens de avião, pois viajou muito quando era jogador e depois como técnico.

Naquela época eu participava de um programa de milhagens da extinta Varig e tinha um cartão Diamante. As outras categorias eram Prata e Ouro. Eu tinha alcançado a maior categoria, pois viajava muito.

Durante o voo, pedi licença ao Espinosa e fui bater um papo com o Fernandão e o Brito. Confesso que sempre fui (e continuo sendo) muito calmo, mas fiquei revoltado com  todo aquele atraso, e falei para os dois companheiros:

– Vou chegar arrepiando, quando pousarmos. Eles vão ter que nos dar uma recompensa pelo tempo perdido. Caramba, já não basta a demora em solo, esses caras nos deixaram tanto tempo dentro de um avião naquele calor insuportável.

Voltei para o meu lugar, sentei-me ao lado do Espinosa, falamos sobre futebol, outros assuntos e pouco tempo depois o avião pousava no aeroporto Adhemar de Bastos.

Pegamos as nossas malas, chamei o Fernando Cabús e o Luís Brito e falei:

– Vamos lá no balcão da Varig. Não falem nada. Podem deixar comigo.

Pronto. Nos dirigimos ao local onde estavam dois funcionários (um homem e uma mulher) e cheguei falando em voz alta, o que nunca foi e não é o meu estilo. Tirei o meu cartão (Diamante) de programa de milhagens, mostrei e disse:

– Não aceito o que a Varig fez comigo e com outros passageiros deste voo. Tenho um cartão Diamante e isso é uma falta de respeito. Exigo que vocês paguem o meu taxi para o hotel.

Os dois funcionários ouviram o meu “inflamado” desabafo e me perguntaram:

– O senhor é Mário Freitas Souza?

– Sim, sou eu mesmo.

– O senhor está com mais dois colegas não é isso? Fernando e Luís?

– Exatamente.

– Fique tranquilo. Pode se dirigir à direita do local onde se encontram os taxis, que já tem um especial esperando para levá-los ao hotel. Pedimos desculpas pelos fatos que ocorreram no trecho de São Paulo até aqui.

Caramba… pensei. Nossa, que vergonha! Os caras me deram uma lição de moral. O jeito agora é eu pedir desculpas:

– Olha aqui, quero pedir desculpas a vocês pela maneira como falei. Mas estava muito nervoso, pelo fato de ter ficado um tempo enorme dentro de um avião em São Paulo e também pelo atraso em nosso voo.

– Fique tranquilo senhor Mário. A gente entende essa situação.

Saímos do aeroporto, pegamos o taxi e disse aos meus dois colegas:

– Poxa, que vergonha! Tomei uma lição de moral. E vocês sabem que não sou de fazer aquilo. Mas agora já passou. Só tinha mesmo que pedir desculpas.

Depois deu tudo certo. Conhecemos uma grande cidade, nenhum dos três tinha ido por lá e só não foi melhor porque o Vitória perdeu o jogo por 2 a 0.

Mas ficou mais uma vez a lição de que o argumento da força não resolve nada, e que a solução é sempre partir para utilizar a força do argumento.

Marão Freitas.

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